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Foto do escritorSamarone Lima Oliveira

Só as escolas sem celular?



Samarone Lima


Finalmente começaram a proibir celulares nas escolas, com um atraso de vários anos.


Pelo que dizem os professores que conheço, a coisa estava braba mesmo. Quase como falar para as paredes, após entregar os planos de aula, aquela preocupação toda pedagógica, e um bando de pré adolescentes grudados na tela.


Até o momento sagrado do recreio (desculpem, sou cearense, cresci tendo recreio na escola) virou uma monotonia tremenda, com mensagens circulando no pátio, jogos solitários, pouco contato físico, correria, quedas, o zap, mil~hoes de védeos comendo a alegria. Nada de agitação, gritaria, energia borbulhando.


No meu tempo de escola, o toque da campainha para o recreio era o momento mais esperado do dia. Saíamos às carreiras, feito lobos famintos, como prisioneiros em alguma masmorra, verdadeiros Condes de Monte Cristo, sentindo o sol matinal com intensa felicidade.


Alguém tinha sempre uma bola, para jogos quase sangrentos. Quem não gostava de futebol, brincava a seu modo, mas o pátio era um formigueiro, uma agitação, uma alegria. Barulho, muito barulho sempre. Eu, como sempre, anotava num caderno o resultados dos jogos, e nosso time da 5a série A (não sei como chamam 5a série agora, com as mudanças nos ciclos) passou 12 recreios sem perder, até o fatídico dia, um gol ao final do recreio, e o toque súbito da campainha, avisando nossa tragédia, para a turma da 5a Série B. Voltamos para a sala de aula abalados psicologicamente.


Foi um repeteco da dor da copa de 1950, versão pré-adolescente, nossa primeira grande tristeza coletiva, possivelmente do goleiro, claro.


Mas a proibição está incompleta, porque os adultos continuam impunes. Usam celular da hora que acordam até botar o pijama (pra quem ainda usa pijama). A bronca nasce com eles. Na escola do pequeno Samir, de três anos, tem criança que já chega com celular na mão, vendo desenho. O Samir, mesmo, vai receber seu primeiro celular com 13 anos, já avisei a ele. E vai ser um Motorola.


Não tem uma mesa de restaurante com criança, que os adultos não estejam bisbilhotando seus aparelhos, feito obcecados. Faz medo um pequeno se engasgar com um pedaço de galinha, e ninguém notar.


Nos ônibus, aviões, metrôs, reunião de pais nas escolas, jantares de família, blocos de carnaval, velórios, o ser humano, como cantava a Rita Lee, está na maior fissura.


Nem meus amigos atendem mais a reles, a simplória, a fundamental ligação. Alguns já avisam que não é nem para ligar. “Só mensagem de texto”. Ou “Ligação, só se for urgente”.


Eu ligo. Quebro a cara cara, mas ligo.


Quero escutar a voz um sorriso que gosto, a melodia da voz, as confidências que surgem ao acaso, um livro que está lendo, um filme que emocionou, como está fulano. E o nosso Santa Cruz, heim?


A gente só sabe como o outro está nas entrelinhas da voz. Ela não esconde. Revela também a alegria, alguma boa nova, como este filme, o “Ainda estou aqui”, do Walter Salles, baseado no livro homônimo do queridíssimo Marcelo Rubens Paiva, que está emocionando tanta gente, e ainda não vi. Naire, a maravilhosa, me avisou para a força do filme. Por sinal, cadê o livro dela, de crônicas?


Vou fazer isso hoje mesmo. Vou reservar parte do dia para importunar os amigos. Vou telefonar.


Se ver meu nome chamando, atenda. Até porque ontem o Samir completou três anos, no sítio da Ivette e Omar.


Ps. Animado com uma turma maravilhosa do curso de Crônicas, no Sesc Bertioga/SP, voltarei a publicar minhas crônicas semanais, retomando as publicações no meu velho e bom “Estuário - crônicas das coisas mínimas e desnecessárias”.


Axé!

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1 Comment


Claudio Eduardo Rodrigues
Claudio Eduardo Rodrigues
há 3 dias

Só digo uma coisa: 11 94284-1466.

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